7 de jul. de 2015

Reflexões sobre o serviço público


            
         

 O relógio no pulso do funcionário público marcava 13h. Era o horário reservado para o almoço do agitado ambiente de trabalho do Juvenal Sozinho, escriturário de carreira da Secretaria da Fazenda do RS. Ao sair para almoçar no restaurante chique e badalado vizinho à repartição, o Juvenal se deu conta de que não tinha dinheiro suficiente para pagar sua despesa. Como tinha fome, não teve dúvidas e adentrou o Supermercado próximo dali e comprou dois pãezinhos, alguns fiambres e uma garrafa de refrigerante pequeno para comer um lanche perto dali. Escolheu a praça Mal Deodoro, localizada há alguns metros do Mercado e de seu local de trabalho.
Naquele horário, a pracinha estava vazia. Poucos pássaros sobrevoavam as frondosas árvores, uma babá empurrava um carrinho de bebê e um senhor, morador de rua, mantinha-se deitado sobre um banco de cimento no outro extremo da pracinha. Sentado num outro banco de cimento, coincidentemente frio também, o Juvenal abriu a embalagem dos pães e passou a organizar seu sanduiche/almoço. Preparou dois sanduiches que seriam devorados com o refrigerante em pouco tempo. Enquanto, levava o primeiro à boca, observava os movimentos do senhor que estava deitado num outro banco próximo dali. O desconhecido homem movimentava lentamente os braços, enquanto o funcionário público comia o primeiro sanduiche. Em algum momento pensou em oferecer o segundo sanduiche ou um pedaço do mesmo para (quem sabe?) saciar a fome do morador “relaxado”. Enquanto aproximava-se do homem, Juvenal refletia sobre a vida e nos pensamentos daquela pessoa deitada no frio banco de praça. Ao chegar próximo do banco de cimento, estendeu o lanche oferecendo-o ao homem das ruas. Olhando de forma fixa nos olhos do Juvenal, seu José – o morador de rua, ajeitou sua cabeça e agradeceu a oferta, recusando o pão oferecido.
Espantado, Juvenal perguntou ao seu José: “O senhor não tem fome? Deve ter dormido ao relento sem comer nada até a esta hora? Pode pegar, um sanduiche apenas me basta! O vizinho “temporário” que relaxava seu corpo sobre o banco de cimento frio, respondeu de forma calma: “Não tenho fome moço. Tenho sim vontade de conversar com as pessoas. Uma boa e calorosa conversa mata a fome e sede de  qualquer pessoas”. E concluiu: “Sabe por que? Pra fugir de solidão, seu moço! Esta  sim mata uma pessoa.”
Na ocasião falou-se de tudo um pouco. Dos tempos em que seu José liderava greves. Das tristezas com a aposentadoria e morte dos colegas mais antigos. Das mudanças nos ambientes de trabalho. Das inúmeras trocas de Chefias e das discussões sobre os horários de serviço da repartição. Das férias no Clube sindical que a “dona patroa” e as crianças faziam novas amizades. Do Grupo Coral que participava, das viagens e das apresentações. Lógico que em meio a tanto assunto era impossível conter as lágrimas. Maldita falsa oportunidade de tornar patrão de si mesmo. O tal Programa de Demissão Voluntária chegou todo “enfeitado e perfumado” seduzindo a todos que o acolheram. O seu José disse ao Juvenal que foi um deles. Aderiu à proposta e em pouco tempo enfrentou sérias dificuldades financeiras. Esfacelamento financeiro e familiar, repercutindo até os dias de hoje. Tristeza pura. Falta de aviso e de alerta dos colegas não faltaram.
Depois de demorado bate papo, sobre família, trabalho, oportunidades e vida, o  funcionário público Juvenal ficou sabendo que seu José também era funcionário público que havia aderido há muito tempo a um destes programas de demissão voluntária propostos pelo Governo. Investiu errado em negócios fragilizados, pagou algumas continhas, comprou presentes para família, perdeu em apostas, perdeu família e acabou na condição de morador de rua. Sem filhos ao redor, companheira, sem casa, sem teto, sem carro e sem posses o melhor que tinha no momento era uma praça sossegada para passar seus restos de dias.
       Após algumas mordidas no sanduiche e alguns goles de refrigerante, Juvenal olhou para seu pulso e percebeu que a hora havia avançado e precisaria retornar às pressas. Ao despedir-se do seu José, foi lentamente afastando-se sem antes refletir sobre sua vida, seu trabalho e seu compromisso com o Serviço Público e consigo mesmo.           

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