4 de fev. de 2015

Ratinho e um pouco de ginga em nossas vidas - Da série: "Brasil mostra tua cara - Armazém 2015"



 
                          mestre Ratinho -moleton vermelho amarrado na cintura - loiro liderando a caminha do grupo pelas ruas

           "..Eu vivo triste neste mundo...sem compreender por que tanta exploração...
     ...quando jogo a capoeira, eu toco o berimbau...vem o tempo da escravidão...
      ....jogue bem a capoeira, sem aceitar a dominação..."

          Desde muito cedo apreciei as coisas do nosso Brasil. Seus costumes, sua cultura, sua gente, seu folclore e sua história. Assim fui criando um apreço especial pela capoeira - a arte genuinamente brasileira, como é conhecida no Mundo. Pode parecer estranho este sentimento, porém reconheço e assumo. O que fazer?? Não jogo (mal balanço os braços...), não sei um cântico completo, não toco berimbau, nunca entrei numa roda, mas gosto e dai??
Meu primeiro contato com este "negócio" foi na década de 80. Meu irmão Claudinho também gostava e queria praticá-la (digo, jogá-la de forma mais qualificada). Localizei na rua da República um grupo que treinava e tinha no comando o instrutor Mico, um negro capoeirista, educado, estudioso das coisas da Bahia e do jogo que mais tarde foi morar na Bélgica. Um período antes de embarcar para as "gringas" apresentou-nos seu amigo pessoal Ratinho que na companhia do Jaburu (filho do inesquecível Mestre Borel, griô da Restinga), do Ivonei (da Bom Jesus), do Treze, do Churrasco e muitos outros capoeiristas ligadas à Capoeira de Angola energizavam as esquinas e os parques da Cidade com seu jogo. Qual a diferença das Capoeiras: Angola e Regional?? Tentarei explicar: Basicamente as cantigas e os instrumentos são os mesmos. O que percebo de diferente são os movimentos  afinal qual a diferença de ambas?? Os instrumentos, as cantigas, as roupas?? A grosso modo: penso que os movimentos e a indumentária diferem sutilmente. A de Angola, identificada com o   estilo mais próximo de como os negros escravos jogavam a Capoeira original caracterizada por ser mais lenta, porém com movimentos furtivos executados perto do solo, como em cima, ela enfatiza as tradições da Capoeira, que em sua raiz está ligada aos rituais afro-brasileiros, caracterizado pelo Candomblé, sua música é cadenciada, orgânica e ritualizada. Os movimentos são lentos e equilibrados. Dificilmente um dos jogadores atinge o adversário (apenas simula o contato). Nestas ações evidenciam-se a malandragem e astúcia dos jogadores e capoeiristas.  A Capoeira Regional resultou da conjuntura histórica do início do século XX, quando Mestre Bimba viu-se incumbido em resgatar os valores da capoeira, que pareciam estar sofrendo mutações e opressões resultantes de pressões da época, e em articular um método pedagógico que resistisse à opinião individual. Produto resultante do batuque (samba-luta) e da Capoeira Primitiva, a Capoeira Regional torna-se um divisor de águas uma vez que se dissemina através dos segmentos sociais mais variados e solidifica-se como arte, cultura e luta. Particularmente, acho que este estilo aproxima-se das artes marciais orientais por seus movimentos fortes identificados como luta e não jogo, como na de Angola.
 E o Ratinho?? Quem nunca viu nos parques de Porto Alegre ou do Vale dos Sinos um "moço loiro", de fala mansa, jeito simples, calças coloridas, atencioso, didático, solidário e generoso com seus conhecimentos de Brasil "puxando uma conversa" com o vozinho ou com o menino interessado nos ritmos e danças da roda que cresce a cada minuto?? Pois este cara, educador físico desde 1982, professor universitário, experiente e especialista em Educação Popular e Assistencia Social, passaporte aberto entre as Comunidades de Porto Alegre, Região Metropolitana, Salvador e cidades baianas vizinhas lidera atualmente a Associação de Capoeira Angola Rabo de Arraia (ACCARA). Um dos instrutores capoeira mais antigos e referência da capoeira angola gaúcha. Repudia o título de Mestre de Capoeira. Humildemente, costuma a conversar sobre Capoeira, Candomblé, negritude, África, política, os amigos do passado, dos grandes mestres nacionais Pastinha, Caiçara, Bimba e tantos outros baianos que chegaram à Porto Alegre nos anos 80 como se fosse íntimo das pessoas. E tem mais coisas bacanas para conhecer sobre o moço?? Claro que tem. E muito. Fala com muita propriedade da inserção da capoeira (arte do povo, do Brasil e sua negritude) no universo academico, fala também de como a capoeira foi inserida nas academias em Porto Alegre, como educação popular, sobre Paulo Freire, comenta sobre a vinda dos Mestres Souza Monsueto (primeiro instrutor de capoeira regional na sua história), Indio, Cacau e Miguel. Este último um dos mais contundentes instrutores de Capoeira Regional que o RS conheceu. Por algum tempo repassou seus ensinamentos aos gaúchos, retornando à Bahia para resgatar e reapreender a Capoeira, desta vez de Angola. Momento único de troca de conhecimento entre as pessoas. Esta ação é realizada até os dias de hoje revelando a sua contribuição para a consolidação desta arte em Porto Alegre discorrendo sobre a complementaridade entre os saberes popular e acadêmico a partir de sua experiência como professor de Educação Física no ensino superior. 
Então...não é bacana aproximar-se de todas estas coisas que representam as raízes do nosso Brasilzão?? Visualizar pelas ruas de Porto Alegre movimentos do afoxé, do jongo liderados por um homem branco?? Pois, o grande Mestre Miguel, o negro baiano, igualmente questionava isto. Por que o Ratinho, professor de educação física de "pele branca" fala com tanta propriedade sobre temáticas afros?? Porque cultura, história, arte popular não tem cor. É simplicidade pura!! Vida longa, Ratinho, seguidor do Mestre Moa do Catendê e Rabo de arraia, os afilhados do Mestre João Pequeno, da Bahia.

Abraços,

Edinho Silva



Fonte:
http://www.angolapoa.com.br/#!mestre-ratinho/c190u
http://www.kimcapoeira.com/capoeira/angola-e-regional/
http://www.filhosdebimba.com.br/ie/capoeira-regional