19 de dez. de 2018

Nego Izolino Nascimento - o griô do samba no Armazém

                   Acervo pessoal do artista - Nego Izolino do Nascimento e Edinho Silva/Teatro São Pedro



        Posentão...

         Quem nunca ouviu falar do samba composto nos Pampas gaúchos?? Nos diferentes gêneros musicais que rolam por aqui  existem muitas obras de qualidade na composição autoral. Especificamente, no SAMBA que é um ritmo que me identifico bastante, registra-se um número expressivo de compositores e compositoras nomes no cenário.
          Particularmente, costumo potencializar os parceiros especiais do Armazém do seu Brasil (Nego Izolino, Carlinhos Presidente, Paulinho Bom Ambiente, Dédo Pereira, entre outros). O que aparece na imagem acima é o Nego Izolino Antonio, também conhecido como griô do samba gaúcho.
       Reconhecido pelo seu qualificado repertório de composições de sambas enredos, sambas dolentes e de raiz o nego Izolino preparou para 2019 envolvido numa super produção um cd com composições autorais que marcaram a vida de muita gente. Com reconhecidos nomes de artistas e técnicos envolvidos na produção do trabalho o resultado de temporadas de gravação promete sacudir a cena no Estado.
          Ontem à tarde, li num jornal de circulação nacional que artistas gaúchos renomados reuniriam-se para eventos sociais e de divulgação da música no RS, ocupando salas e espaços culturais da Cidade. Não causou-me estranheza, mas sim, tristeza não avistar nenhum nome ligado ao samba. Com todo respeito que merece o compositor e cantor Nelson Coelho de Castro, identificado como o nome do samba de 2016 ou 2017...nem lembro muito bem. E os outros que possuem autenticidade e sintonia com o ritmo?? Os "negros Izolinos" do Sul??
         A história do povo do Carnaval e do samba gaúcho possui muitas riquezas, mas precisam ir além "dos tapinhas nas costas" e da batucadinha discreta. Seríamos os culpados pelo desprestígio dos nossos sambistas locais? Por que invadimos espaços públicos engrossando as multidões que se acotovelam para assistir um nome nacional em dia ensolarado? E por que pagamos "ingressos polpudos" em teatros para assistir sambistas do Brasil e não investimos R$10,00 ou R$15,00 no trabalho dos nossos?
        É choradeira minha? Não. Não é. Experimente ouvir as estórias e os sambas compostos por artistas da grife do Nego Izolino? Não sabe onde encontrá-lo? É bem facilzinho...todo sábado ele canta num bar na Cidade Baixa e nos próximos dias 20 e 21/12/2018, estará abrilhantando a roda de samba e resenha do Armazém.
Não te finge e cai dentro...

Serviço:

Armazém do seu Brasil natalino
Onde? Ateliê 1 - rua Senhor dos Passos, 259 - sala 63 - Centro Histórico
Quando? dia 20/12/2018 - quinta-feira - das 19h30min às 21h30min
Quanto? 0800 ...entrada franca
Comidas e bebidas? Cada leva a sua.
Apoio Cultural: Núcleo afro Conceição Evaristo, do Ateliê 1


Dia Nacional do Samba é todo dia
O Samba do bom sujeito recebe o Armazém do seu Brasil 
Onde? Bar Amarelinho - rua Brasiliano de Moraes, 44 - IAPI
Quando? dia 21/12/2018 - sexta-feira - a partir das 20h
Quanto? R$5,00 (único) investimento cultural


  

14 de dez. de 2018

Energias boas na avenida – um pouco de poesia


                                                       Acervo pessoal do Grupo Puro Asthral - Revellion 2016

Para tristeza de muita gente, o Carnaval de Porto Alegre no ano de 2018 sofreu um duro golpe. Por diferentes motivos (que prefiro abordar num outro momento) os foliões e simpatizantes da maior festa popular do País – o Carnaval  não puderam exibir suas fantasias, enredos e euforias neste ano.
Não teve passista, nem mestre-sala, nem ritmista, porta-bandeira, nem instrumentos e, tampouco arquibancadas para os que costumam aplaudir a “ópera do povo” que é a folia de Momo.
A tristeza abre espaço para reverenciar um grande sambista e compositor de sambas enredos do Estado. O Rio Grande do Sul ao longo dos tempos, foi celeiro de talentosos compositores, porém afirmo, com letras garrafais, o mais impactante samba de exaltação à uma Escola de Samba gaúcha foi o  compositor Wilson Nei – o poetinha do Sul, como é conhecido por gente que entende de samba nestas regiões. Aos 15, compôs a primeira obra. E não parou por aí.
Com fortes ligações aos Imperadores do Samba, umas das tradicionais escolas de samba da Capital Porto Alegre, o diretor de harmonia, violonista, compositor e intérprete Wilson Ney dos Santos percebendo o grande entusiasmo dos carnavalescos vermelhos e brancos (as cores da agremiação) compôs o  samba de quadra definitivo da Escola, onde destaca em “Convite ao Povo” os seguintes versos: “Povo meu/ povo meu/Ainda resta um lugar na nossa Escola/desça da arquibancada e vem sambar no Imperador/ Pois além da alegria também existe amor/. Um canto que inundava a avenida de desfiles e contagiava os milhares foliões da ocasião independentes de Agremiação carnavalesca. Imagens eletrizantes que os apaixonados pela Cultura Popular registravam..
Filho de um sapateiro com uma dona-de-casa e mais novo entre seis irmãos, Wilson Ney começou a trilhar o caminho da música na Chácara das Pedras, bairro popular em Porto Alegre. Aos 13 anos, já tocava violão com o grupo sambista “Povo meu”. Sua estreia no Carnaval veio em 1971, quando foi convidado a compor um samba de exaltação para a Sociedade Floresta Aurora. Samba que, aliás, foi “extraviado”. Antes de apresentá-lo à sociedade, Wilson Ney mostrou aos Acadêmicos da Orgia, que gostaram e acharam que o samba deveria ser para uma escola, e não para um bloco.
Considerado um dos grandes poetas do samba gaúcho e autor de mais de 500 obras, Wilson Ney ultrapassou os limites do bairro na zona norte de Porto Alegre e conquistou fama nacional, sendo gravado por Neguinho da Beija-Flor, Elza Soares, Dominguinhos do Estácio, Leci Brandão e Alcione, entre outros.
Ao completar “algumas dezenas de anos de carreira” traz na sua bagagem autoral um clássico samba do cancioneiro gaúcho do gênero intitulado “Fogo de palha” (1978) identificado pelo refrão forte e apaixonado: “Vá, sou o primeiro a lhe dar a mão ...Agora que eu quero ver...Se eu ou se você estava com a razão...Se foi fogo de palha ou não” A carreira do compositor nada tem a ver com o título de sua composição. Sua inspiração nunca foi passageira. Nem o seu talento.
Assinou ao longo de sua carreira muitos sambas-enredo de escolas como Imperadores do Samba, Acadêmicos da Orgia, Beija-Flor do Sul, Império da Zona Norte e Copacabana. Foi tema enredo dos Fidalgos e Aristocratas e passou pela direção de harmonia da maioria das entidades carnavalescas locais.
Torcendo que o Carnaval de Porto Alegre, meu, do Wilson Ney e de tanta gente  possa renascer, a avenida ganhar vida e as arquibancadas lotarem. E por que não esvaziar, para sambar com os Imperadores, os Bambas, a Leopoldina, a Restinga, a Praiana, o Império, a Vila do Iapi, a Samba Puro e todas que desejarem sambar?
Até breve, 

Edinho Silva, do Armazém


Música e fé a serviço da arte – um pouco de Deborah Rosa


                                                                                                               Acervo pessoal da artista

Posentão...
A religiosidade do brasileiro pode ser considerada um dos ingredientes que amenizam as agruras da vida moderna. Pensando nisso fui atraído por um flyer de divulgação de um show temático que ocorreria na Companhia de Arte, um simpático espaço cultural localizado no Centro Histórico de Porto Alegre.
Tratava-se do show da cantora santa-mariense Deborah Rosa intitulado “Samba & Saravá”, uma mistura ousada agregando ao samba um ritmo e uma força inconfundível abrangendo a obra de cantoras, compositores e compositoras brasileiras com ênfase no afro religioso e, acima de tudo, na estética de culto com seus "pontos", "rezas" e misticismos. Assim a cantora, ao lado dos músicos Daniel Rosa, Ricardo Vivian e Diego Ciocari apresentou ao público presente um repertório com uma duração de quase duas horas. 
Mas afinal de onde surgiu a cantora Deborah Rosa, dona de uma voz firme e uma capacidade de emocionar ao “interpretar” uma música?  Deborah de Freitas Rosa, seu nome de batismo, herdou dos pais o gosto pela artes (música, plásticas, teatro e literatura). Em relação à música suas influências foram os discos de vinil da coleção do pai, onde grandes cantoras brasileiras como Clara Nunes, Angela Maria, Ivone Lara, Maria Bethania, Amelinha e tantas outras entoavam seus cantos e marcavam a infância da cantora gaúcha.
Com uma trajetória que ultrapassa duas décadas de trabalho e contribuição para a cena musical do Rio Grande do Sul a cantora nascida na cidade gaúcha Santa Maria, reconhecida por sua população universitária, após circular com sucesso pela música nativista, com participação destacada em muitos festivais regionalistas, migrou para outra áreas. Assim a profissional das Relações Públicas graduada pela Universidade Federal de Santa Maria, desenvolveu experimentos artísticos em outros segmentos  como o Jazz e a música negra litorânea do Rio Grande do Sul.
Inquieta, nos últimos tempos, a cantora migrou suas atenções para o universo do Samba e com isso aprofundou suas pesquisas e buscas de maior sintonia na arte e obra reconhecida internacionalmente. Nesta fase de sua vida, um momento marcante em sua carreira foi o show de abertura da cantora maranhense Alcione, no palco de Santa Maria.
Enquanto seu sonho de realizar um Musical, com todo o zelo que sempre teve com seus Projetos Culturais, a cantora Deborah Rosa segue cantando e encantando os espaços pelo Sul do País. E com sua fé e trabalho segue resgatando e difundindo “os saberes, falares e cantares” que envolvem as ancestralidades e as matrizes africanas que moldaram nossa Cultura Brasileira.
Forte abraço

                            Edinho Silva, direto do Armazém e dos Pampas

22 de ago. de 2018

Cordas, cadeiras, índios e muambas







Acervo do pesquisador



Este ano eu vou sair de arlequim e você vai ser minha colombina
pouco importa se choras, pierrô e a fantasia que irei usar
de um rei, pirata ou feiticeiro
na maravilha que feijó criou
quero extravasar de alegria o mestre-sala da minha ilusão
à noite, cai a noite, a flor criança e me deixa mergulhar
num deslumbrante azul celeste
cenário que os bambas vêm mostrar
com o pé no mundo do meu faz-de-conta
o pretinho na mesa do pobre não pode faltar
se prá morar sai caro e o meu lazer é raro
o jeito é botar água no feijão
não sei se eu saio na tribo ou se brinco na banda
se um dia vou ser o passista da escola de samba
fala pandeiro e tamborim na marcação
olha o samba chegando de novo
que é para o meu povo pegar o refrão
bota partido no samba também sou bamba
o samba sem ele não pode ficar

Jorge Ramos

São gratificantes as lembranças do Carnaval de Porto Alegre dos anos 1970, 1980 e 1990. Quando criança, caminhar com a família, pela Avenida João Pessoa, por exemplo, quando o desfile era lá. Chamava atenção aquela multidão, cheiro de churrasco de rua no ar, fantasiados passavam apressados e música nos rostos e bocas. O samba de Porto Alegre tem outra cadência, outra estrutura, isso lhe dá uma especificidade muito especial. As pessoas que não estavam nas arquibancadas eram em número muito maior, milhares circulando pela madrugada, velhos, jovens, crianças. As que levavam as suas cadeiras de praia e ficavam no “setor da corda”, então – antes e depois das arquibancadas – eram incontáveis. Não tinha hora para o bloco ou escola de samba entrar e sair. Ficava-se a noite esperando e de repente, acontecia.
Ao contrário do discurso discriminatório de que “Porto Alegre não tem carnaval”, a cidade tinha vários carnavais. Antes de nós, teve na João Alfredo, teve na Borges. Tinha carnaval na zona norte e em muitos outros lugares. Carnaval de blocos, sociedades e salão. No fim dos anos 70 e anos 80, creio eu, a cidade teve um dos melhores carnavais de salão do país. Quem não gostava da rua podia se esbaldar no Verde e Branco, Vermelho e Branco, Municipal e praticamente todos os clubes da nossa querida capital tinham não um, mas muitos dias com muitos bailes de carnaval.
Na Santana, a Dona Maria Bravo garantiu por décadas um carnaval democrático. Lá não tinha cobrança de ingressos, mal tinha um coreto patrocinado por algum comerciante do bairro e a regra era clara: em algum momento, sabe-se lá quando, após o desfile oficial, as escolas virão aqui. E iam. Passar na Santana e ser ovacionado pelo público era tão ou mais importante que ganhar o desfile oficial. E na Santana, a mesma cena: famílias inteiras com cadeiras e sacolas cheias de pastel, sucos, cervejas e tudo o que se precisa para uma noite de festa na rua.
O tempo passou e, da João Pessoa, os desfiles migraram para a Perimetral. Tão fantástico quanto as escolas era a decoração. Chegou a ter um ano em que o piscar das luzes acompanhava a batida de cada bateria de cada escola. Dois ou mais dias, antes de abrirem, nas bilheterias já havia gente acampada. Gente da periferia vinha de longe e teria seu momento de centralidade. Eram os quatro dias em que o centro da cidade era deles. Como sempre afirmam os sambas: quatro dias de reinado para os que não são nada. Enquanto grassava o discurso da cidade sem carnaval, por puro preconceito, viveu-se por muitos anos, carnavais antológicos com milhares de pessoas nas ruas. Carnavais que não eram somente de escolas de samba. Carnavais das tribos. Ah… essa coisa gaúcha e porto-alegrense que nos diferenciava de todos os outros carnavais. Aqui, os negros fizeram tribos indígenas no carnaval, para falar de raízes culturais, liberdade, luta por seu povo.
Porto Alegre tinha duas Muambas. O que hoje é chamado de ensaio técnico, era o momento de afinar as baterias e ver o povo cair na folia sem oficialismos. Tinha a muamba oficial e a outra patrocinada por uma rede de comunicação que, à época, era administrada por seu fundador que tinha alguma preocupação social. Hoje, a família toca os negócios. O social ficou na lembrança. Rua do Perdão do Pernambuco, as bandas… As ruas com gente que trabalha e sorri. Apesar da vida que pouco sorri para essa gente.
Pois lá pelos anos 1990 o carnaval de Porto Alegre começou a desaparecer. Grupos organizados não queriam o carnaval na Augusto de Carvalho, não queriam sambódromo, não queriam a quadra da Imperadores na Ipiranga. Pois bem, a prefeitura apresentou um projeto para que o sambódromo fosse quase atrás do Beira-Rio. Mobilização dos mesmos grupos, mesmos atores, mesmos argumentos. Chegaram a afirmar que o sambódromo desvalorizaria os imóveis.
Em abdicar de tomar para si e definir um projeto de cidade que contemple a sua população em sua diversidade, Porto Alegre vira a cidade planejada pelo mercado. Quem tem dinheiro planeja e executa. Quem não tem, a periferia é seu lugar. O povo do carnaval acreditou numa melhora na ida para o Porto Seco, docemente. Perdeu-se o protagonismo da festa. Erra-se também quando, em algum momento, tentamos copiar outros carnavais, como o carnaval do Rio e começamos a acreditar em escolas com carros enormes, estrutura permanente de cimento, etc. É preciso repensar se não é hora de voltar para onde o carnaval jamais deveria ter saído: o centro da cidade.
Por quê? Porque ocupação de espaço público pela população é muito bom para a cidade e a cidadania e muito ruim para quem quer transformar a rua num negócio para o lucro. O lugar do carnaval, o lugar das pessoas confraternizarem deve ser o Centro.
                 Por Arthur Bloise, amigo do Armazém