8 de abr. de 2021

"Unidos da Mata e do Mato" F. C - Onde há samba, rola uma bola também...

 



    Posentão...

        Embora a cidade fosse pequena, com poucas atividades de entretenimento, a cena por lá era bastante agitada. Um campeonato de futebol, envolvendo 4 equipes. Um Carnaval de blocos carnavalescos, que a turma identificava por "bandas". Alguns butecos espalhados. Dois clubes sociais, um dos ricos, cheio de "nove horas" e outro do povão, o do "isopor lotado". Um cassino clandestino e duas casas de tolerância. Uma com baldes de aluminio nas mesas e outra de copos de requeijão no balcão. As "trabalhadoras do sexo" alternavam, um pouco, seu local de trabalho. As mais bonitas ficavam na primeira casa, as outras disputavam clientes e agenda.

        Que tipo de mistério pairava em ambos espaços!! A discrição e o respeito de seus frequentadores. Ninguém se atrevia a comentar nada depois da porta. Na Casa Amarela, a "casa mais chique" o risco era menor. Havia uma rotatividade de um público de melhor condição economica. Incluia ainda, público de fora da Cidade.

        Na Casa "DA MATA", como era conhecida o espaço de entretenimento sexual mais modesto, a impressão que se tinha era de que as relações eram mais intensas. O povo se relacionava com força. Todos eram "amigos e amigas" antes de qualquer coisa. Tanto na "Casa Amarela", como na "Casa da Mata" o expediente era de quarta a domingo. Nas segundas feiras, era faxina geral e reposição de materiais no almoxarifado e nas terças feiras era livre. Todas e todos liberados.

        Pois, o nego Ivan, que liderou ajuntamentos desde a adolescencia nos diferentes locais por onde circulou teve uma idéia inusitada. ELE e uma turma de amigos, organizaram um grupo que se reunia na Casa da Mata para um papo e uma roda de samba "com as gurias" das duas casas. Tais encontros aconteciam sempre nas noites das terças feiras. Óbvio, com o maior sigilo e precaução. Os encontros eram levados tão a sério que o grupo recebeu um nome: "Confraria da tia Donga". Donga era o apelido secreto e fictício da gerente da Casa da Mata (só os confirmados e confirmadas a chamavam por este apelido.

        Os homens do grupo seleto e fechado, frequentadores das reuniões semanais secretas (no melhor estilo Loja Maçônica) justificavam suas ausências em suas casas com os motivos mais esquisitos. Valia tudo como desculpa em casa. Encontros religiosos, futebolzinho das terças, hora extra no trabalho, etc. Tudo para encontrar os amigos, as gurias, comer um churrasco, sambar um pouco, entre outras coisas. A função iniciava pontualmente, as 18h e às 21h30min, encerrava tudo. No outro dia, todxs trabalhavam cedo.

        E nas reuniões, rolavam algum namorico ou assédio!! NUNCA. O pacto firmado era este: "Nossos encontros são secretos, rateados e sem malicia." Afirmava, Ivan, o idealizador e principal liderança do movimento. Dançar pode!! Claro. Ir para os quartos!! Não. A "Casa" e o grupo era de respeito.

        Por seis meses, foi possível manter a agenda de encontros. Toda terça-feira, quase um compromisso oficial, a Casa "Da MATA" e a "Donga" recebia o povo através de uma discreta porta lateral. Cada um pagava sua despesa de consumo. As bebidas eram comercializadas pelas anfitriãs e a carne era levada, por alguém escalado, na segunda-feira.

        O nego Ivan, presença marcante e sempre pontual levou ao grupo uma preocupação sua. O tio Libório, irmão do pai Ivan, que não participava dos encontros, mas queria saber de todos os detalhes na quarta-feira (eita, velhinho safado) era muito sensitivo para algumas coisas. Um dia chamou o sobrinho e "deu a morta": "Meu fio...tem gente desconfiada e invejando as fuzarcas de voces...". "Tu já me falou que nem beijo na boca rola, afinal, constituiram uma familia...mas tem gente querendo melar..."

        O nego véio era sábio, conversava com as "senzalas" e seus guias. Não poderia ter sua opinião subestimada. O Ivan teve uma idéia. Vou sugerir para a turma a formação de um time de futebol e um banda, ou bloco de Carnaval, aqui dentro...formado pelos participantes do Grupo. Mas como fazer, se tinham alguns que lá fora nem se falavam!! A cumadre Donga também esbanjava "conexão" com coisas que os olhos não veem. Chamou o responsável Ivan e a Dorinha, a mais madura "menina do pedaço". Expos seu pensamento e alertou: "Infelizmente, precisamos cancelar nossos os futuros encontros. Vai dar ruim...Alguma informação sobre as terças vai vazar...Daí "queima o negócio"

        No início, o nego Ivan e a Dorinha mostraram-se contrariados, mas acolheram a preocupação de "Donga". ELE não jogava a toalha, sua cabeça não parava de pensar como prosseguir com as atividades. Dorinha, apaixonada por samba, apresentou a seguinte idéia: "E se nós formássemos um bloco de Carnaval e um time de futebol com este povo todo!!". O Ivan aprovou a idéia, mas com uma preocupação em relação aos encontros. Onde aconteceriam! E os jogos! As rodas de samba!

        A "cumadi  Donga aproveitou para anunciar que a Casa da Mata não funcionaria mais aos sábados (o movimento havia caido muito). E assim a "função das terças feiras" mudariam de dia. Tudo acertado para alegria geral.

        Assim nasceu o "Unidos do Mato e da Mata" F.C com a ata de fundação registrada em guardanapos de papel da "Casa de tolerância". O time e o bloco existem até hoje, já na terceira geração. E os segredos!! Foram jogados no arroio, junto com os bilhetes de amor que circulavam.     

 

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