
O relógio no pulso do
funcionário público marcava 13h. Era o horário reservado para o almoço do agitado
ambiente de trabalho do Juvenal Sozinho, escriturário de carreira da Secretaria
da Fazenda do RS. Ao sair para almoçar no
restaurante chique e badalado vizinho à repartição, o Juvenal se deu conta de
que não tinha dinheiro suficiente para pagar sua despesa. Como tinha fome, não
teve dúvidas e adentrou o Supermercado próximo dali e comprou dois pãezinhos,
alguns fiambres e uma garrafa de refrigerante pequeno para comer um lanche
perto dali. Escolheu a praça Mal Deodoro, localizada há alguns metros do
Mercado e de seu local de trabalho.
Naquele horário, a pracinha
estava vazia. Poucos pássaros sobrevoavam as frondosas árvores, uma babá
empurrava um carrinho de bebê e um senhor, morador de rua, mantinha-se deitado
sobre um banco de cimento no outro extremo da pracinha. Sentado num outro banco
de cimento, coincidentemente frio também, o Juvenal abriu a embalagem dos pães
e passou a organizar seu sanduiche/almoço. Preparou dois sanduiches que seriam
devorados com o refrigerante em pouco tempo. Enquanto, levava o primeiro à
boca, observava os movimentos do senhor que estava deitado num outro banco
próximo dali. O desconhecido homem movimentava lentamente os braços, enquanto o
funcionário público comia o primeiro sanduiche. Em algum momento pensou em
oferecer o segundo sanduiche ou um pedaço do mesmo para (quem sabe?) saciar a
fome do morador “relaxado”. Enquanto aproximava-se do homem, Juvenal refletia
sobre a vida e nos pensamentos daquela pessoa deitada no frio banco de praça.
Ao chegar próximo do banco de cimento, estendeu o lanche oferecendo-o ao homem
das ruas. Olhando de forma fixa nos olhos do Juvenal, seu José – o morador de
rua, ajeitou sua cabeça e agradeceu a oferta, recusando o pão oferecido.
Espantado, Juvenal perguntou
ao seu José: “O senhor não tem fome? Deve ter dormido ao relento sem comer nada
até a esta hora? Pode pegar, um sanduiche apenas me basta! O vizinho
“temporário” que relaxava seu corpo sobre o banco de cimento frio, respondeu de
forma calma: “Não tenho fome moço. Tenho sim vontade de conversar com as
pessoas. Uma boa e calorosa conversa mata a fome e sede de qualquer pessoas”. E concluiu: “Sabe por que?
Pra fugir de solidão, seu moço! Esta sim
mata uma pessoa.”
Na ocasião falou-se de tudo
um pouco. Dos tempos em que seu José liderava greves. Das tristezas com a
aposentadoria e morte dos colegas mais antigos. Das mudanças nos ambientes de
trabalho. Das inúmeras trocas de Chefias e das discussões sobre os horários de
serviço da repartição. Das férias no Clube sindical que a “dona patroa” e as
crianças faziam novas amizades. Do Grupo Coral que participava, das viagens e
das apresentações. Lógico que em meio a tanto assunto era impossível conter as
lágrimas. Maldita falsa oportunidade de tornar patrão de si mesmo. O tal
Programa de Demissão Voluntária chegou todo “enfeitado e perfumado” seduzindo a
todos que o acolheram. O seu José disse ao Juvenal que foi um deles. Aderiu à
proposta e em pouco tempo enfrentou sérias dificuldades financeiras.
Esfacelamento financeiro e familiar, repercutindo até os dias de hoje. Tristeza
pura. Falta de aviso e de alerta dos colegas não faltaram.
Depois de demorado bate
papo, sobre família, trabalho, oportunidades e vida, o funcionário público Juvenal ficou sabendo que
seu José também era funcionário público que havia aderido há muito tempo a um
destes programas de demissão voluntária propostos pelo Governo. Investiu errado
em negócios fragilizados, pagou algumas continhas, comprou presentes para
família, perdeu em apostas, perdeu família e acabou na condição de morador de
rua. Sem filhos ao redor, companheira, sem casa, sem teto, sem carro e sem
posses o melhor que tinha no momento era uma praça sossegada para passar seus
restos de dias.
Após algumas mordidas
no sanduiche e alguns goles de refrigerante, Juvenal olhou para seu pulso e
percebeu que a hora havia avançado e precisaria retornar às pressas. Ao
despedir-se do seu José, foi lentamente afastando-se sem antes refletir sobre
sua vida, seu trabalho e seu compromisso com o Serviço Público e consigo mesmo.
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