14 de abr. de 2021

"O avesso da pele" o recado do Jeferson Tenório, o patrono da Feira do Livro - "Outras palavras" por Michele Moura

 

Patrono da Feira do Livro de Porto Alegre 2020

        Satisfação, amigos e amigas do Armazém! Hoje as Outras Palavras de que falaremos são sobre o romance “O  avesso da pele”, de Jefferson Tenório, esse autor que até pode ter nascido no Rio de Janeiro, mas é nosso aqui: veio aos treze anos pra Porto Alegre e vive aqui até hoje.

        Tenório nunca tinha imaginado entrar numa universidade,até que, aos 18 anos, ao voltar de  madrugada da pizzaria em que ele  trabalhava, foi abordado violentamente pela policia. Só que aquela não era  a  primeira vez, e nem seria a última vez que aquilo aconteceria. A cor da pele dele o tornava um suspeito nas ruas por onde ele passava. Então queria mudar de vida, aquilo não era mais para ele, como dizia a sua mãe “quanto menos você se mostrar na rua, melhor”. El ajá sabia o que o esperava. 

         O Escritor , portanto, foi cursar uma faculdade particular, mas  se deu conta de que  estava muuuuito abaixo intelectualmente dos outros colegas, que falavam fluentemente sobre Shakespeare, sobre Homero e sobre outros cânones que ele nunca tinha ouvido falar. (Inacreditável, não é? Mas no início foi assim). Obsessivamente, então, começou a comprar livros, só que ele começou a gostar tanto, e comprar tanto, que já não tinha como pagar a faculdade. Então ele fechou a matricula e estudou para entrar na UFRGS, onde anos depois se graduou, e hoje conclui o Doutorado em Teoria Literária pela PUC/RS.

            Hoje ele também  é professor de Literatura e tem somente 5.000 exemplares na sua biblioteca. Invejinha aqui desta humilde professora da rede pública estadual, porque o Educado Leite não colabora! (Urghhh!!!)

            Um dos libros que moldou a sua carreira como escritor, foi “Quarto de despejo”, da Carolina Maria de Jesus, que não coincidentemente falamos no programa de domingo passado.  Seu último romance “O Avesso da Pele” se passa em uma Porto Alegre cheia de contraste, como qualquer capital brasileira. 

            O personagem Pedro, após a morte do pai que foi assassinado numa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da familia, refazer os caminhos paternos, e buscar reconstruir a sua própria identidade. E nisso, Tenório consegue mostrar  um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, que a gente percebe nas tantas vezes que o personagem Pedro menciona as aulas que o pai dava na escola pública. 

            Uma das passagens mais marcantes do livro é quando o Pedro relembra que o pai já tinha sofrido muitas abordagens policiais durante a vida. Uma delas quando muito jovem, foi quando o pai (Henrique) fez amizade com um amigo que morava num bairro de classe alta de Porto Alegre. E enquanto esperava o amigo do lado de fora do prédio, um policial o abordou. E a narração diz assim: 

            “Ao chegar, você apertou a campainha e esperou. Pessoas passavam por você na rua e te olhavam. Ninguém respondeu no interfone. (…) Decidiu ficar ali na frente do prédio e pensou que ele poderia ter saído com a mãe dele.        

             No entanto, em minutos, surgiu o policial da Brigada Militar ao seu lado dizendo para você circular que ali não era lugar para pedir coisas”. (Essa história, infelizmente, também a gente já conhece).

          “O avesso da pele” não é uma leitura fácil, porque ela dói demais. Em mim ela dói de saber que tem pessoas que sofrem isso diariamente. Mas eu nunca vou conseguir calcular sequer minimamente a dor que carrega quem tem que estar sempre explicando a sua cor, o seu cabelo, e as suas dores. E essa leitura doída, acho que por ser tao dolorida assim, nos ensina muito… acho que a gente aprende muito pela dor, pelo sofrimento, infelizmente! 

            A gente aprende pelo impacto que a gente sofre com determinadas coisas. Então nao posso dizer que é uma leitura fácil, mas é uma leitura que deslancha, que tem uma linguagem super acessível para qualquer leitor.

           Importante dizer que , por muitas e muitas vezes, o narrador menciona um professor do pai na universidade, e o professor nada mais é do que Oliveira Silveira. E foi ele quem fez com que o personagem do pai reconhecesse que era um negro num lugar onde se morre pela cor da sua pele. E é do Oliveira Silveira que a gente vai falar domingo que vem. Não perde, hein? Te espero aqui. Beijo e até lá!!

Michele Moura - Professora de Literatura, Formada em Letras pela FURG, Especialista em Literatura Brasileira com ênfase em Literatura Comparada(UFRGS). Professora de Língua Espanhola e Literatura na rede pública. Membro da Coordenação do Atelie 1 e do Clube de Cultura e Comunicação Planalto.;

 

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