Satisfação, amigos e amigas do
Armazém! Hoje as Outras Palavras de que falaremos são sobre o romance “O
avesso da pele”, de Jefferson Tenório, esse autor que até pode ter nascido no
Rio de Janeiro, mas é nosso aqui: veio aos treze anos pra Porto Alegre e vive
aqui até hoje.
Tenório
nunca tinha imaginado entrar numa universidade,até que, aos 18 anos, ao voltar
de madrugada da pizzaria em que ele trabalhava, foi abordado
violentamente pela policia. Só que aquela não era a primeira vez, e
nem seria a última vez que aquilo aconteceria. A cor da pele dele o tornava um
suspeito nas ruas por onde ele passava. Então queria mudar de vida, aquilo não
era mais para ele, como dizia a sua mãe “quanto menos você se mostrar na rua,
melhor”. El ajá sabia o que o esperava.
O
Escritor , portanto, foi cursar uma faculdade particular, mas se deu
conta de que estava muuuuito abaixo intelectualmente dos outros colegas,
que falavam fluentemente sobre Shakespeare, sobre Homero e sobre outros cânones
que ele nunca tinha ouvido falar. (Inacreditável, não é? Mas no início foi
assim). Obsessivamente, então, começou a comprar livros, só que ele começou a
gostar tanto, e comprar tanto, que já não tinha como pagar a faculdade. Então
ele fechou a matricula e estudou para entrar na UFRGS, onde anos depois se
graduou, e hoje conclui o Doutorado em Teoria Literária pela PUC/RS.
Hoje
ele também é professor de Literatura e tem somente 5.000 exemplares na
sua biblioteca. Invejinha aqui desta humilde professora da rede pública
estadual, porque o Educado Leite não colabora! (Urghhh!!!)
Um dos libros que moldou a sua
carreira como escritor, foi “Quarto de despejo”, da Carolina Maria de Jesus,
que não coincidentemente falamos no programa de domingo passado. Seu
último romance “O Avesso da Pele” se passa em uma Porto Alegre cheia de
contraste, como qualquer capital brasileira.
O
personagem Pedro, após a morte do pai que foi assassinado numa abordagem
policial, sai em busca de resgatar o passado da familia, refazer os caminhos
paternos, e buscar reconstruir a sua própria identidade. E nisso, Tenório
consegue mostrar um país marcado pelo racismo e por um sistema
educacional falido, que a gente percebe nas tantas vezes que o personagem Pedro
menciona as aulas que o pai dava na escola pública.
Uma
das passagens mais marcantes do livro é quando o Pedro relembra que o pai já
tinha sofrido muitas abordagens policiais durante a vida. Uma delas quando
muito jovem, foi quando o pai (Henrique) fez amizade com um amigo que morava
num bairro de classe alta de Porto Alegre. E enquanto esperava o amigo do lado
de fora do prédio, um policial o abordou. E a narração diz assim:
“Ao chegar, você apertou a campainha e esperou. Pessoas passavam por você na rua e te olhavam. Ninguém respondeu no interfone. (…) Decidiu ficar ali na frente do prédio e pensou que ele poderia ter saído com a mãe dele.
No entanto, em minutos, surgiu o
policial da Brigada Militar ao seu lado dizendo para você circular que ali não
era lugar para pedir coisas”. (Essa história, infelizmente, também a gente já
conhece).
“O avesso da pele” não é uma leitura fácil, porque ela dói demais. Em mim ela dói de saber que tem pessoas que sofrem isso diariamente. Mas eu nunca vou conseguir calcular sequer minimamente a dor que carrega quem tem que estar sempre explicando a sua cor, o seu cabelo, e as suas dores. E essa leitura doída, acho que por ser tao dolorida assim, nos ensina muito… acho que a gente aprende muito pela dor, pelo sofrimento, infelizmente!
A gente aprende pelo
impacto que a gente sofre com determinadas coisas. Então nao posso dizer que é
uma leitura fácil, mas é uma leitura que deslancha, que tem uma linguagem
super acessível para qualquer leitor.
Importante
dizer que , por muitas e muitas vezes, o narrador menciona um professor do pai
na universidade, e o professor nada mais é do que Oliveira Silveira. E foi ele
quem fez com que o personagem do pai reconhecesse que era um negro num lugar
onde se morre pela cor da sua pele. E é do Oliveira Silveira que a gente vai
falar domingo que vem. Não perde, hein? Te espero aqui. Beijo e até lá!!
Michele Moura - Professora de Literatura, Formada em Letras pela FURG, Especialista em Literatura Brasileira com ênfase em Literatura Comparada(UFRGS). Professora de Língua Espanhola e Literatura na rede pública. Membro da Coordenação do Atelie 1 e do Clube de Cultura e Comunicação Planalto.;
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